quinta-feira, 8 de maio de 2008

Da tragédia ao ponto turístico e terminando no reality-show

A tragédia começou na noite de sábado, 29 de março, quando Isabella de apenas 5 anos foi encontrada caída de bruços no jardim do prédio onde seu pai, Alexandre Nardoni, morava. Dali começava algo nunca visto antes na televisão brasileira. A reação do povo também é algo que ultrapassa o ridículo.
O povo brasileiro se comoveu com a morte da garotinha. Até aí tudo bem, tudo aceitável. A polícia entrou em cena, iniciou as investigações e logo suspeitou que os autores do assassinato de Isabella foram o próprio pai da garotinha e a madrasta, Ana Carolina Jatobá. Sabendo disso, o povo começou a protestar, fazer cartazes lembrando de Isabella e se postou ora no prédio onde a garotinha morreu, ora na casa dos pais de Alexandre e na porta da delegacia quando os suspeitos foram presos por alguns dias. O ridículo começou quando a televisão mostrava quem eram as pessoas que estavam fazendo hora extra na porta do prédio, da casa e da delegacia. Não eram pessoas desempregadas ou que não fazem nada, eram pessoas que faltavam o trabalho para ir pra lá fazer parte do protesto e, também, pessoas que vinham de outros estados só para acompanhar o caso in loco. Rapidamente, esses três locais onde as pessoas se postavam na frente, e mais a casa dos pais de Ana Carolina Jatobá, viraram pontos turísticos de São Paulo, assim como o Parque Ibirapuera, a Catedral da Sé, Praça da Sé, Avenida Paulista, entre outros.
Com a comoção do povo brasileiro, a televisão tratou de transformar a tragédia num bizarro reality-show. Além de comentaristas de esporte, de política, criou-se um novo personagem na tv, o comentarista criminalista. A tv fez igual ao povo e tratou de alugar as varandas, as casa, os terraços, os telhados das casas, prédios que ficavam em frente aos novos pontos turísticos da cidade de São Paulo de colocar suas equipes ali 24 horas por dia e filmar todos os passos de Alexandre e Ana Carolina. Quando os dois iam tomar banho, a tv fazia as tomadas das igrejas onde Anna Carolina Oliveira ia para as missas em memória da filha Isabella. Os debates do caso Isabella pareciam mais uma disputa pela presidência da república, entre a promotoria e os advogados de defesa do casal Nardoni.
Qualquer movimento da polícia ou do casal Nardoni, a tv transmitia tudo ao vivo. Foi assim com as convocações do casal para depor, quando foram para a cadeia. Até mesmo a reconstituição do crime, a televisão tratou de transmitir tudo ao vivo, como se fosse a chegada do Papa ao Brasil. E como não se tem o que dizer nessa hora, os comentaristas trataram de imaginar o que os peritos estavam pensando e narrar o que as imagens mostravam, o que foi uma grande sacada para que os cegos pudessem saber o que estava acontecendo.
Não vou entrar no mérito de apontar os culpados. Não sou perito, nem comentarista criminalista e muito menos juiz. Este último é quem vai dizer quem é culpado ou não. As investigações foram concluídas, a promotoria já entrou com o processo de indiciamento. Acho esse reality-show bizarro. A cobertura da tv no caso, deveria restringir-se apenas aos telejornais. Transformar uma tragédia num circo é algo de extremo mal-gosto. É a tv aproveitando a morte de uma criança para ganhar a audiência de gente idiota que toda hora esquece que uma garotinha morreu.
Nos reality-shows da tv, sempre acabam definindo quem é o vilão e quem é o mocinho, com um vencedor que ganha 1 milhão de reais ou um super emprego numa super empresa e os que perderam tiram a roupa para as revistas. Mas nesse reality-show não terá mocinhos, apenas vilões, e não haverá um vencedor no final, seremos todos os derrotados, pois uma criança de 5 anos morreu.

6 comentários:

Vinicius Grissi disse...

Texto brilhante! Um dos mais conscientes que já li sobre o caso. Concordo em gênero, número e grau.

E o pior: o povo brasileiro não tem consciência de que casos como este acontecem diariamente por todo o país.

Uma pena!

Renata Silva disse...

Juro, não aguento mais essa história.
É bizarra demais a forma como eles estão tratando tudo isso. Hoje mesmo tem no uol uma foto dos protestos que as companheiras de cadeia fizeram contra "Carol" (preciso comentar que o tal do Nardoni não tem criatividade para nomes), afinal, ali tb só tem "inocentes", e até elas foram influenciadas pelo espetáculo grotesco da imprensa. Apesar de tudo, eles ainda são gente e merecem certo respeito, o que desapareceu de cena há muito tempo.

Beijos

Anônimo disse...

Parabens pelo texto,Leandro. É o que realmente penso. Infelizmente!!
Grande abraço!!

Shirley disse...

Sou outra que não aguento mais essa história, pqp! Mas nem é por questão de respeito às "vítimas" da imprensa (no caso, os pais), é pq enjoou mesmo, e pq sei que isso só tá assim pq a menina fazia parte de uma família classe-média-alta. Enfim! Ah, e quanto aos pais, eu tô meio na lei do aqui fizeram, aqui vão pagar. Td bem, parece meio bárbaro, porém duvido que mais bárbaro do que o fato de um cerumano matar outro - pior: do que um pai matar uma filha. Bom, vamos esperar pelo próximo show, que remédio, né? Bjin, gostei muito daqui, visse? :-D

C.J. disse...

E em menos de um ano tudo será esquecido.
Lembra do caso João Hélio aqui no RJ?
Será que as pessoas que fizeram o mesmo que essas agora se lembram de algo ou só dos seus 15 segundos de fama?
Beijos.

Anônimo disse...

Estou defasada, as noticias já são outras! Mas quero dar minha opinião tb! rs...
Dias atrás li uma crônica do Calligaris que diz exatamente ocmo penso. O caso Isabela, focado e reforçado pela mídia, serviu como uma catarse para nós, o povo.
Independente de quem são os culpados, temos necessidade de jogar no outro as nossas culpas - sejam elas de que tamanho forem. E um caso destes nos livra de várias culpas, né?
Um outro lance que acho importante apontar é como a briga pelo Ibope faz com que a dor de uma familia seja escancarada, sem limites.
Esta mesma mídia não deveria estar mais preocupada com a prevenção de atos como estes? Afinal, sabemos que violência contra crianças e mulheres é um ponto altissimo nas estatísticas dos crimes cometidos neste país!
É isso! Seu texto está lúcido e muito bem feito. Muito mesmo!
Beijão